Carta Aberta de Sobreviventes

Traduzido de Abolish Prostitution Now – Alliance of Women for the Abolition of Prostitution

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Original em

http://abolishprostitutionnow.wordpress.com/survivor-testimony/

A carta abaixo é uma versão a qual será enviada às Nações Unidas e ao Conselho da Europa em breve. Enquanto isso, será aqui disponibilizada para que, assim, as mulheres que quiserem assinar estarão livres para fazê-lo. Todas as mulheres as quais foram prejudicadas em sistemas de prostituição são bem-vindas e encorajadas a assinar, independentemente de elas terem ou não se assumido publicamente como sobreviventes, de onde vieram ou de como elas se identificam em termos de ter sido prostituída e/ou traficada.

Carta-projeto de Sobreviventes do comércio sexual às Nações Unidas e ao Conselho da Europa

Nós, sobreviventes do comércio sexual as quais subscrevemos este documento, assim o fazemos em desafio à noção enganosa de que prostituição e tráfico sexual sejam fundamentalmente diferentes. Não o são, e o saberíamos, dado que algumas de nós são sobreviventes de prostituição, algumas de tráfico sexual, e algumas, crucialmente, de ambos. Muitas de nós cujas experiências se ajustam ao termo “prostituição” foram exploradas lado a lado com aquelas de nós cujas experiências se ajustam ao termo “tráfico sexual”, tanto nas ruas como em bordéis. Existem ainda dentre nós aquelas que foram primeiramente exploradas na prostituição por tráfico sexual e, mais tarde, no que é comum e erroneamente conhecido como prostituição “livre”.

Em suas posições de legisladores que estão considerando propostas para descriminalizar a prostituição, vocês devem pesar se devem ou não facilitar a normalização de sexo prostituído como trabalho. Nós sabemos que elel não o é; sabemos que se trata de abuso sexual indenizado. Demandamos, nesta carta aberta, que vocês, nas Nações Unidas e no Conselho da Europa, primeiramente considerem e então compreendam a verdadeira natureza do que acontece às mulheres e meninas no comércio sexual. Algumas são prostituídas diretamente devido às duras coerções das circunstâncias de vida, frequentemente levadas a crer que o comércio sexual oferece algum grau de autonomia ou escape. Outras são enganadas de uma forma muito mais coercitiva fisicamente; porém uma mulher que tenha sido traficada é em última instância também prostituída, uma vez que a prostituição é o objetivo último do tráfico sexual.

Prostituição e tráfico sexual estão intrinsecamente ligados. Eles sempre estiveram e, enquanto o mundo aceitar a opressão da prostituição, sempre estarão, dado que o tráfico sexual é apenas uma conseqüência desse sistema. É simplesmente uma forma de coerção ostensiva que responde à demanda masculina por sexo pago. A demanda por prostituição é o motivo pelo qual o tráfico sexual ocorre, e os bordéis são os lugares nos quais o tráfico sexual culmina. Nós, mulheres e meninas prostituídas e traficadas, existimos lado a lado e somos exploradas lado a lado, e nós não somos pessoas que vocês podem simplesmente categorizar como livres ou forçadas. Nossas liberdades foram cerceadas de formas diversas, certamente, mas, por favor, desistam da crença de que nossa opressão seja, em si, diferente. Não reivindicamos, como vocês reivindicam, que nossas experiências sejam diferentes – afirmamos que, no que mais importa, elas são a mesma – e temos o direito de fazer essa afirmação dado que nós vivemos aquilo que vocês discutem. Quando vocês recomendam legislar de uma forma que nos divide, vocês nos ignoram, e nós não mais estamos preparadas para sermos ignoradas.

Algumas de suas declarações públicas sustentaram e acreditaram na falsa suposição de que aquelas de nós que foram prostituídas através das rotas tradicionais de pobreza e destituição não podem ser comparadas àquelas de nós que foram prostituídas através do tráfico sexual. Vocês estão errados. Por favor, aceitem que vocês cometeram o natural erro humano de estarem enganados; e, por favor, lembrem-se, acima de tudo, que nem todas as correntes são visíveis, ou tangíveis, e que, às vezes, as amarras que nos prendem mais fortemente não são discerníveis ao olho humano.

Deixem-nos garantir-lhes que aqueles que lucram com o comércio sexual tampouco se encaixam – não mais do que as pessoas que eles exploram – em categorias estreitas e bem definidas, e que muitos deles agem tanto como “proxenetas” quanto “traficantes”. Garantimos ainda que homens que pagam por sexo usam mulheres e meninas traficadas e prostituídas indiferentemente, e, desde que não vêem mulheres e meninas como seres humanos, eles não se preocupam com as circunstâncias dos “corpos” que eles exploram.

Uma segunda questão, porém muito próxima [do que é aqui tratado] que gostaríamos de levantar é o uso, por vocês, do termo “trabalho sexual”. Durante muito tempo, aqueles nas Nações Unidas, no Conselho da Europa e em todos os lugares têm ouvido exclusivamente aqueles que nomeiam o abuso que vivemos como “trabalho sexual”. Afirmamos que não há “trabalho sexual”; que sexo não é trabalho, que nunca foi e nunca será.

Por favor, estejam cientes de que o termo “trabalho sexual”, que é encontrado em suas políticas públicas e documentos, originou-se no comércio sexual dos Estados Unidos dos anos 1970. Ele foi inventado com o objetivo particular de normalizar e sanitarizar a prostituição para o público e, particularmente, para os legisladores, e vocês prestaram um grande serviço àqueles que lucram com a prostituição por meio da aceitação e adoção deste termo. Simultaneamente, vocês também – inadvertidamente, nós reconhecemos – lançaram uma dolorosa injúria contra nós. Nós somos, todas nós, sobreviventes do comércio sexual; as testemunhas vivas de um comércio desumanizante, e qualquer aceitação do nosso abuso como “trabalho” também nos desumaniza.

Agora, deixem-nos dizer a verdade sobre este termo e sobre aquilo que ele é projetado para ocultar: o que é comprado em sistemas de prostituição não é sexo; é o direito ao abuso sexual. O que sistemas de prostituição oferecem é simplesmente a comercialização do abuso sexual. É hora de aqueles em posição de poder legislativo ouvirem aquelas de nós que viveram as realidades brutais da prostituição e do tráfico sexual, e de se referirem a nós coletivamente sob o termo “sobreviventes do comércio sexual”.

Por favor, ouçam-nos quando dizemos que uma dicotomia intencional foi construída, uma que pretende nossa (falsa) separação em dois conjuntos de mulheres, vivendo dois tipos supostamente diferentes de experiência; uma livre, outra forçada; uma escolhida, outra abusiva; uma inofensiva, e outra um horror contra a humanidade. Nós pedimos que vocês compreendam que a percepção de que mulheres prostituídas e traficadas são diferentes é ilógica: não faz sentido distinguir entre a prostituída e a traficada, uma vez que as traficadas o foram com o objetivo mesmo de serem prostituídas, e que esta é a realidade que elas então viverão.

Assim como ilógica, esta falsa distinção é também perigosa. É perigosa porque oferece o dom da camuflagem. Isso permite que proxenetas e traficantes ocultem a verdadeira natureza de suas ações, ajam sob o manto do sigilo e, consequentemente, com impunidade.

Nós exigimos:

  • Que vocês deixem de se referir ao abuso da prostituição como “trabalho sexual”.

  • Que vocês deixem de separar a prostituída e a traficada em suas percepções, e que suas políticas e posições daí em diante reflitam esta mudança de pensamento.

Vocês têm carregado a grande responsabilidade de dividir fato e ficção; de enxergar a desigualdade que se apresentaria como igualitária; de revelar a injustiça onde esta se disfarçaria como justa, e de eliminar o que é errado onde isto aparenta disseminar-se entre o que é correto. Esta é uma imensa, difícil e pesada tarefa, e nós não os invejamos no empreendimento desta; mas vocês têm de arcar com ela. É o seu dever.

Nós cumprimos com o nosso dever aqui, uma após a outra, país após país, muitas de nós renunciaram às nossas identidades pessoais e enfrentaram a ampla punição do escárnio público para revelar a verdade sobre a opressão do comércio sexual global. Nós fizemos este sacrifício a grande custo pessoal, para nós e para nossas famílias, porque estamos determinadas a extrair a fonte da verdade que reside em cada uma de nós e a afirmar publicamente o que sempre foi conhecido mas raramente proferido: a prostituição é, em si, uma violação dos direitos humanos.

Nós pedimos apenas que vocês nos ouçam e que façam, também, os sacrifícios necessários para fazer o que vocês sabem que é correto.

Cherie Jimenez – Boston, Estados Unidos

Autumn Burris – California, Estados Unidos

Rosen Hitcher – Saintes, França

Laurence Noelle – Paris, França

Bronwen Healy – Queensland, Austrália

Rachel Moran – Dublin, Irlanda

Justine Reilly – Dublin, Irlanda

Roak Elthea – Montevideo, Uruguai

Jacqueline S. Homan – Erie, PA, Estados Unidos

Josie O’Sullivan – Limerick, Irlanda

Bridget Perrier – Toronto, Canadá

Linda O’Keefe – Dublin, Irlanda

Vednita Carter – Minneapolis, Minnesota (Estados Unidos)

Tanja Rahm – Dinamarca

Debra Topping – Fond du Lac Indian Reservation, Cloquet, Minnesota (Estados Unidos)

R. B. – Nord, Canadá

David Zimmerman – Benton, PA, Estados Unidos

Linguagem

Texto-fonte:
RAYMOND, Janice G. Language. In: Not a Choice, Not a Job: Exposing the Myths About
Prostitution and the Global Sex Trade. Dulles, Virginia: Potomac Books, 2013. p. xli-xliii.

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A realidade se suspende no esguio fio da linguagem. As conclusões alcançadas relativas à prostituição frequentemente residem nas palavras usadas para descrevê-la. Por exemplo, termos tais como “trabalho do sexo”, “sexo com garotas”, “sexo transacional” e “prostituição infantil” não lançam luz no que acontece às mulheres e crianças em situações de exploração sexual. Maneiras educadas e confortáveis de descrever a violência sexual, a exploração e a predação nos vacinam do dano da prostituição para mulheres e crianças. Garotas trabalhadoras, moças da noite e acompanhantes são termos alegres e mascaram o que é essencialmente uma cruel, sórdida e perigosa indústria, ofuscando os proxenetas, os usuários da prostituição e outros perpetradores.
Trabalhadora do sexo e trabalho do sexo são termos que eu não uso porque tais termos funcionam para endossar a visão de que a prostituição é e deveria ser normalizada como simplesmente outra forma de trabalho. Muitos indivíduos e organizações acreditam que os termos “trabalhora do sexo” e “trabalho do sexo” dignificam as mulheres. Em minha experiência, eu aprendi que esses termos servem principalmente para dignificar a indústria do sexo ao dar mais legitimidade a compradores, proxenetas, recrutadores e outros perpetradores-chave da exploração sexual do que eles poderiam de outra maneira obter. Ao invés disso, uso termos como “mulheres e pessoas em prostituição”, “em sistemas de prostituição” e aquelas que são “prostituídas” no interior da indústria do sexo.
Os defensores da indústria do sexo são afeiçoados a distinguir a legalização da descriminalização. Eles argumentam pela descriminalização da prostituição, sustentando que a indústria da prostituição deveria ser free-flowing e não sujeita a qualquer regulação estatal. No entanto, as consequências da legalização e da descriminalização são similares. Ambas legalização e descriminalização tornam aspectos da indústria do sexo legais, ou seja, ao não as tornar ilegais.

Prostituição (5)

Legalização da prostituição significa que o Estado torna partes do sistema de prostituição legais ao regulamentar a prostituição e a indústria do sexo através de, por exemplo, registro de mulheres em locais de sexo, monitoramento da saúde, localização de bordéis e tributação.
Descriminalização da prostituição significa a eliminação das penalidades para todos ou certos aspectos do sistema de prostituição, tais como a solicitação, proxenetismo e a manutenção de bordéis. Não significa a eliminação dos proxenetas e bordéis mas, ao invés disso, a renomeação de proxenetas como gerentes de negócios benignos para as mulheres na prostituição e bórdeis como indústrias caseiras controladas por mulheres. A implementação da descriminalização pelo governo é impossível sem alguma forma de regulação governamental da prostituição. Em nenhum país ou estado que conheço a descriminalização existe sem alguma forma de regulação. Livre descriminalização da prostituição sem regulação é um mito.
Quando a prostituição é descriminalizada, o controle é principalmente tirado das mãos da polícia e dado aos conselhos locais. Por exemplo, em países e estados que descriminalizaram o proxenetismo ou as zonas de prostituição, geralmente se seguem regulações civis e administrativas, tais como requerer uma autorização de bordel específica, monitoramento de saúde, impostos em locais de prostituição, ou outras medidas. Ainda, medidas criminais são frequentemente necessárias para conter o crescimento do crime organizado no setor da prostituição.
Após a descriminalização, os conselhos locais são inevitavelmente sobrecarregados com uma série de medidas regulatórias. Os deveres dos conselhos incluem lidar com queixas, incluindo aquelas alegando violência e abuso de mulheres. No entanto, os conselhos locais não têm nem a autoridade policial nem recursos para investigar ou penalizar e, em muitos casos, não possuem capacidade de confrontar operadores de bordéis ilegais. Assim, locais de sexo ilegais se proliferam em cidades e países que descriminalizaram a prostituição e a indústria do sexo e, assim como na Holanda e na Austrália, os mesmos cafetões-empresários controlam os bordéis legais e ilegais.
No discurdo pró-prostituição, a prostituição é trabalho sexual, e não exploração sexual. Proxenetas são agentes de negócios de terceiros que as mulheres escolhem para proteger a si mesmas e seus interesses, e não exploradores de primeira classe. Em Victoria, Austrália, os proxenetas que são proprietários de bordéis são designados como licenciados de serviço de trabalho sexual. Usuários e compradores de prostituição são fregueses ou clientes que proporcionam às mulheres renda, e não abusadores. Bordéis são espaços seguros para as mulheres para trabalhar no seu comércio, não alojamentos onde as mulheres são controladas e mantidas sob controle. Mulheres na prostituição são trabalhadoras do sexo, não vítimas de exploração sexual. E vítimas de tráfico são trabalhadoras do sexo migrantes de quem a passagem de um país a outro é migração facilitada por prestativos deslocadores de pessoas. Mesmo as palavras “acompanhante” e “agências de acompanhantes” fazem o sistema da prostituição soar mais chique e seguro.
Uma palavra final sobre linguagem. Faço uma distinção nesse livro entre trabalhadoras do sexo e sobreviventes. Ambos termos são auto-designados pelas mulheres que estão ou estiveram na prostituição (veja o capítulo 1). Tanto “trabalhadoras do sexo” quanto sobreviventes afirmam representar as mulheres na prostituição. Como usado neste livro, o termo “trabalhadoras do sexo” descreve aquelas que foram ou estiveram na prostituição e que promovem a prostituição como trabalho ou como um serviço sexual comercial. Sobreviventes compreendem a prostituição como violência contra as mulheres e se opõem à mercantilização das mulheres inerente à indústria do sexo. Argumento que é tempo de diferenciar “trabalhadoras sexuais” de sobreviventes (ou seja, distinguir entre aquelas mulheres que ativamente apoiam a indústria do sexo ao advogar por ela daquelas que lutam contra ela). Quando “trabalhadoras do sexo” argumentam pela descriminalização da cafetinagem e da manutenção de bordéis, não agem em nome da maioria das mulheres na prostituição mas, ao invés disso, nos interesses da indústria do sexo.
Defensores do trabalho sexual se tornaram os modernos fabricantes de mitos que sustentam o sistema globalizado da prostituição. Através do mitos gerados por estes defensores em favor da escravidão sexual, ideólogos pró-prostituição ajudaram a lavar a prostituição e o tráfico sexual em muitas partes do mundo.

Apresentação

Porque você paga existe prostituição. Porque homens pagam existe prostituição

Porque você paga existe prostituição. Porque homens pagam existe prostituição

A intenção dessa bloga é servir como interface de difusão de textos e materiais sobre a perspectiva abolicionista da prostituição, que compreende o fenômeno da prostituição como uma forma de violência contra as mulheres e que seja reconhecida como violação de direitos de humanas[1].

A perspectiva abolicionista se diferencia da perspectiva regulamentarista e proibicionista. Na perspectiva regulamentarista se defende a legalização da prostituição, e na perspectiva proibicionista se defende a proibição da prostituição. O abolicionismo se difere das duas, embora possa ser confundida com o proibicionismo.

No proibicionismo, se defende o estabelecimento de leis que proíbam a prostituição, que em geral se traduz pela criminalização, aprisionamento e perseguição de mulheres prostituídas. Isso não implica nunca a criminalização de proxenetas.

A perspectiva regulamentarista, existente há mais de um século, sempre foi adotada pelos Estados juntamente a proibicionista, consistindo numa política de controle sanitário das mulheres. Nesta as mulheres prostituídas foram, desde seu estabelecimento, submetidas a inspeções médicas. Surgida na época do espalhamento da sifílis em países europeus (século 19), se tornou uma maneira de não ameaçar os negócios dos prostituintes. As mulheres eram afastadas dos bordéis, e encerradas em instituições hospitalárias e até mesmo prisionais, e isso foi uma maneira que exploradores encontraram de se livrar de problemas e não ameaçar seus negócios. Hoje pode ser entendido muito bem como um tipo de subsídio estatal à prostituição, por exemplo em países como Uruguay, onde inclusive as mulheres buscam não assinar a “libreta sanitária” que seria seu registro como ‘prostitutas’, de maneira a não serem estigmatizadas.

Entendemos que essa característica permanece sendo a mesma hoje em dia, onde o argumento da legalização e da proteção das mulheres é usada pelos lobbies proxenetas e pelo negócio sexual para favorecer seus lucros. Essa perspectiva segundo entende o abolicionismo, individualiza o fenômeno da prostituição, fazendo aparecer como ‘voluntário’, e portanto desaparecendo proxenetas, rede de translado e recrutamento, clientes, e todos atores e instituições por trás da existência da prostituição.
Vemos o entendimento da prostituição de uma maneira individualizada, como sendo um ‘exercício voluntário’, escolhido e individual feminino, foi socialmente criado na supremacia masculina, para justificar abusos e atrocidades cometidas contra pessoas, justificando o comércio de pessoas e sua exploração.

Os recrutadores fazem suas vítimas entre as mulheres e crianças mais vulnerabilizadas, precarizadas e sem amparo social, em países destruídos por guerras ou empobrecidos de terceiro mundo, ou países que sofreram colonização. Abusos e violências despersonalizadoras são o preparo da subjetividade das vítimas para que permaneçam atrapadas nessa forma de escravização, a morte é o destino de muitas quer porque comprometam os lucros, quer porque adquiriram uma doença, quer porque estão expostas as mafias e polícias, quer porque seja uma forma de ameaça mais a quem queira sair.

Aqui queremos disponibilizar textos que exponham a complexidade do fenômeno e sirvam para dissipar mitos e constructos patriarcais que a justificam e mantém essa forma de violência aceitável com a cumplicidade de Estados e da sociedade machista.

A perspectiva abolicionista defende:

– A descriminalização das mulheres prostituídas.

– A criminalização do proxenetismo e o desmantelamento das redes
– A punição e responsabilização dos clientes, que recusamos entender como ‘clientes’, senão que são ‘prostituintes‘, proxenetas. Sem clientes não há prostituição. Só existe prostituição porque tem homens que consomem sexualidade de pessoas vulneradas, como uma manifestação mais das formas de abuso masculino, e de construção da subjetividade masculina por meio da identidade e reafirmação do poder e dominação sobre outras pessoas.

A sexualidade que se consome na prostituição é uma sexualidade masculina como forma de dominação e reafirmação de seu poder como classe. Jamais haverá igualdade enquanto houver prostituição.

Quem consome prostituição são nossos irmãos, pais, parentes, colegas de trabalho, filhos, netos, professores, todos homens podem ser consumidores. Isso torna a prática também uma profunda traição dos homens em relação às mulheres. Qualquer homem é potencial cliente e prostituidor num patriarcado. Isso expressa uma profunda desigualdade de gênero. Só existe prostituição porque existe desigualdade.

Também consideramos falsa a distinção entre prostituição e tráfico. A distinção entre prostituição forçada e livre é uma invenção mais da indústria do sexo, que pressionou leis internacionais para poder permitir a existência dos empresários do sexo. O consentimento da prostituição é produzido pela desigualdade. Só existe tráfico internacional e interno de pessoas porque existe prostituição, sem a existência da prostituição e desta prática, não há tráfico. Não são nítidas tampouco as fronteiras entre recrutamento, vítimas de tráfico e o exercício supostamente voluntário de vítimas de tráfico e recrutamento em bares e ruas. Muitas vezes fazer aparecer como voluntário é uma forma mais de desaparecer o papel de facilitadores, prostituintes, donos de bordéis, hotéis, proxenetas e outros.

Aqui iremos discutir coisas como a psicologia da sobrevivente (síndrome de estocolmo) e as formas de recuperação e reinserção, re-bater argumentos da indústria do sexo que distorcem a compreensão da realidade, tentar explicar algo sobre as leis internacionais sobre tráfico, discutir o contexto brasileiro, e desmistificar a construção patriarcal sobre a prostituição e destruir a mitologia misógina e abusiva que permeia os meios de comunicação.

A prostituição é a opressão mais antiga existente.

(…)

[1] E crianças, mas não queremos dar visibilidade a perspectiva que se relaciona a violência contra crianças e adolescentes por ser esta uma corrente muito visibilizada, utilizada geralmente para flexibilizar as leis internacionais sobre tráfico sexual e prostituição, considerando que possa existir consentimento na prostituição e somente considerando delito no caso dos menores. Essa idéia consideramos que individualiza a prostituição e a considera voluntária. Nossa perspectiva desloca esse foco em direção aos clientes, que são os verdadeiros responsáveis, promotores e possibilitadores da existência da prostituição, e os verdadeiros delinquentes, à diferença do modelo regulamentarista.