prostituição : não, não é um trabalho, não é uma profissão!

tania navarro swain
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A quem interessa a manutenção da prostituição com uma fachada legal, transformada em uma “profissão”? A quem interessa, de fato, a existência de corpos disponíveis à compra e à venda, em um mercado em expansão? A questão crucial é a demanda, é a lei da falocracia que se impõe mais uma vez, pois os benefícios são apenas para os homens, enquanto proxenetas ou clientes.

As mulheres em estado de prostituição não terão um melhor status social com uma legalização enquanto “profissão”. Mas o opróbrio indelével que acompanha a prostituição não se derrama sobre os clientes. Estão ao abrigo da condescendência social, fruto de um pacto “entre homens”, que transforma as mulheres em presa e objeto sexual.

A prostituição é um dos elementos do sistema de controle e de dominação das mulheres. Quando uma parte da população feminina é destinada à utilização sexual pelos homens e institucionalizada enquanto “trabalho”, o destino das mulheres em geral é reafirmado: submetidas e assujeitadas, em seu conjunto, à ordem do pênis, do pai, do patriarcado.

A prostituição não se refere, portanto, a uma problemática individual, mas diz respeito a um  sistema que impõe a vontade do masculino sobre o conjunto do feminino, assim definido pela sexualidade. A prostituição é uma questão de controle, onde o binário heterossexual se constrói, se afirma e se enraíza.

Há uma proposição simplista, ingênua ou de má fé que apresenta a prostituição como resultado de uma escolha, de um exercício de liberdade . Apaga-se assim todo o mecanismo de exploração e redução das mulheres a seus corpos, cavidades a serem preenchidas pelo assujeitamento  ou pela força. Assim desaparece toda uma literatura feminista que analisa os aspectos materiais e simbólicos do “direito” dado aos homens de possuir e transformar as mulheres em objeto de desfrute.

A liberdade na prostituição é simplesmente a liberdade dos homens de exercer seu poder sobre as mulheres, de impor seu sexo e sua lei. A prostituição das mulheres é, no imaginário patriarcal, um dado “natural”, da mesma maneira que a maternidade seria um destino “natural”, proposições que conduzem, ambas, à elementar transformação de seres humanos em nstrumentos para benefício dos homens: elas terão SEUS FILHOS e lhes darão SEU prazer.

A imagem de mulher em estado de prostituição derrama-se sobre todas as mulheres como corpos disponíveis ao desejo sexual e ao desejo de dominação que habita os homens. É assim que as guerras trazem o estupro como recompensa aos guerreiros triunfantes; da mesma forma, o pacto masculino reza que, uma mulher sem a companhia de um homem não pode ser livre de seus movimentos e da escolha de seus caminhos sem ter sobre ela a ameaça do estupro.

“A mais velha profissão do mundo” [1]é uma frase tantas vezes repetida, porém sem qualquer resíduo histórico; tem entretanto, em sua propagação, o papel de justificativa para a existência da venda e da compra de mulheres, como algo que “sempre foi assim”.  Mas em história, nada é dado de modo universal, pois a multiplicidade do humano torna tudo possível, nada fixo, permanente, incontornável.

Assim, a venda de mulheres com fins sexuais é construída historicamente e não é um dado de “natureza”, antinômico com a dinâmica do social.[2]. Mas tudo se passa no discurso e nas análises recorrentes como se a prostituição fosse um “mal necessário”, condenada mas tolerada, tendo em vista as “necessidades” dos homens. Deste modo, os “clientes” não são nunca postos em questão, pois considera-se que tem o direito implícito e inalienável sobre os corpos das mulheres.

Liberdade

É interessante observar a contradição de um masculino que se arvora o detentor exclusivo da “razão” e entretanto, quando é de seu interesse, se declara possuído pelas injunções do “instinto sexual” e suas “necessidades”.

“Haverá sempre a prostituição”, dizem eles, para mais uma vez justificar suas pulsões sob o pretexto de liberdade de escolha das mulheres. É preciso ser muito ingênua(o) para não perceber uma inversão de termos: não é a liberdade das mulheres para se prostituir da qual de fala, mas da liberdade dos homens de prostituí-las.

Que liberdade é esta, das mulheres em estado de prostituição? Seus corpos não tem mais integridade, são decompostas em partes mais ou menos desejáveis; seu psiquismo não existe, tudo se passa como se estas mulheres estivessem ausentes de sua materialidade para suportar a invasão de seus corpos.

 Esta ‘liberdade” de escolha pode – tudo é possível – ser exercida por mulheres, extremamente raras, que consentem em ser tratadas como dejetos ou vasos sanitários Ou que apenas afirmam sua escolha e desejam a denominação “profissão” para criar um semblante da dignidade, que lhes é negada no simbólico na materialidade social.

ler mais em: http://www.tanianavarroswain.com.br/brasil/anahitapt.htm

Sobre as conexões entre prostituição infantil e prostituição adulta, e porque não se deve separar uma da outra

Conexões entre abuso e prostituição infantil e prostituição adulta? Muitíssimo raramente uma pessoa em situação de prostituição o é depois dos 18 anos. Muito raramente as vítimas e sobreviventes não possuem histórico de abuso sexual infantil. O abuso e a vulneração social são fatores que preparam e são instrumentos do sistema proxeneta para produzir subjetividades requeridas pela prostituição (logo explicaremos mais sobre síndrome de estocolmo). Nos casos de prostituição dita e apresentada como ‘voluntária’, desconfie de histórico de abuso e repetição de sexualidade traumática derivada do mesmo. São muitos raros os casos de mulheres que são recrutadas (aqui não usaremos linguagens como ‘entraram na prostituição’ pois problematizamos voluntariedade e consentimento) que começaram nisso “depois dos 18” (a idade convencionada para a definição de adultez). Para haver prostituição adulta, se querere prostituição infantil. Adolescência e infância são momentos muito delicados e conforme contemplado no Estatuto da Criança e Adolescente, estes são prioridade máxima dos Estados e por estarem em fase de desenvolvimento, devemos sempre problematizar consentimento e ter em conta que ainda necessitam proteção e cuidados específicos, e que suas defesas são baixas em relação com as de um adulto. A prostituição e abuso infantis são vitais na produção da prostituição, apesar de que aqui evitaremos fazer distinção entre prostituição infantil e adulta, consideramos as duas formas de violação e que devem ser considerados crimes contra integridade humana. Não reivindicamos que somente se visibilize a prostituição infantil como se vem fazendo, mas que se a conecte com a realidade, de que está intrinsicamente conectada com a prostituição adulta, e de que pessoas adultas prostituídas foram um dia crianças prostituídas.

Carta Aberta de Sobreviventes

Traduzido de Abolish Prostitution Now – Alliance of Women for the Abolition of Prostitution

Faça download do texto aqui.

Original em

http://abolishprostitutionnow.wordpress.com/survivor-testimony/

A carta abaixo é uma versão a qual será enviada às Nações Unidas e ao Conselho da Europa em breve. Enquanto isso, será aqui disponibilizada para que, assim, as mulheres que quiserem assinar estarão livres para fazê-lo. Todas as mulheres as quais foram prejudicadas em sistemas de prostituição são bem-vindas e encorajadas a assinar, independentemente de elas terem ou não se assumido publicamente como sobreviventes, de onde vieram ou de como elas se identificam em termos de ter sido prostituída e/ou traficada.

Carta-projeto de Sobreviventes do comércio sexual às Nações Unidas e ao Conselho da Europa

Nós, sobreviventes do comércio sexual as quais subscrevemos este documento, assim o fazemos em desafio à noção enganosa de que prostituição e tráfico sexual sejam fundamentalmente diferentes. Não o são, e o saberíamos, dado que algumas de nós são sobreviventes de prostituição, algumas de tráfico sexual, e algumas, crucialmente, de ambos. Muitas de nós cujas experiências se ajustam ao termo “prostituição” foram exploradas lado a lado com aquelas de nós cujas experiências se ajustam ao termo “tráfico sexual”, tanto nas ruas como em bordéis. Existem ainda dentre nós aquelas que foram primeiramente exploradas na prostituição por tráfico sexual e, mais tarde, no que é comum e erroneamente conhecido como prostituição “livre”.

Em suas posições de legisladores que estão considerando propostas para descriminalizar a prostituição, vocês devem pesar se devem ou não facilitar a normalização de sexo prostituído como trabalho. Nós sabemos que elel não o é; sabemos que se trata de abuso sexual indenizado. Demandamos, nesta carta aberta, que vocês, nas Nações Unidas e no Conselho da Europa, primeiramente considerem e então compreendam a verdadeira natureza do que acontece às mulheres e meninas no comércio sexual. Algumas são prostituídas diretamente devido às duras coerções das circunstâncias de vida, frequentemente levadas a crer que o comércio sexual oferece algum grau de autonomia ou escape. Outras são enganadas de uma forma muito mais coercitiva fisicamente; porém uma mulher que tenha sido traficada é em última instância também prostituída, uma vez que a prostituição é o objetivo último do tráfico sexual.

Prostituição e tráfico sexual estão intrinsecamente ligados. Eles sempre estiveram e, enquanto o mundo aceitar a opressão da prostituição, sempre estarão, dado que o tráfico sexual é apenas uma conseqüência desse sistema. É simplesmente uma forma de coerção ostensiva que responde à demanda masculina por sexo pago. A demanda por prostituição é o motivo pelo qual o tráfico sexual ocorre, e os bordéis são os lugares nos quais o tráfico sexual culmina. Nós, mulheres e meninas prostituídas e traficadas, existimos lado a lado e somos exploradas lado a lado, e nós não somos pessoas que vocês podem simplesmente categorizar como livres ou forçadas. Nossas liberdades foram cerceadas de formas diversas, certamente, mas, por favor, desistam da crença de que nossa opressão seja, em si, diferente. Não reivindicamos, como vocês reivindicam, que nossas experiências sejam diferentes – afirmamos que, no que mais importa, elas são a mesma – e temos o direito de fazer essa afirmação dado que nós vivemos aquilo que vocês discutem. Quando vocês recomendam legislar de uma forma que nos divide, vocês nos ignoram, e nós não mais estamos preparadas para sermos ignoradas.

Algumas de suas declarações públicas sustentaram e acreditaram na falsa suposição de que aquelas de nós que foram prostituídas através das rotas tradicionais de pobreza e destituição não podem ser comparadas àquelas de nós que foram prostituídas através do tráfico sexual. Vocês estão errados. Por favor, aceitem que vocês cometeram o natural erro humano de estarem enganados; e, por favor, lembrem-se, acima de tudo, que nem todas as correntes são visíveis, ou tangíveis, e que, às vezes, as amarras que nos prendem mais fortemente não são discerníveis ao olho humano.

Deixem-nos garantir-lhes que aqueles que lucram com o comércio sexual tampouco se encaixam – não mais do que as pessoas que eles exploram – em categorias estreitas e bem definidas, e que muitos deles agem tanto como “proxenetas” quanto “traficantes”. Garantimos ainda que homens que pagam por sexo usam mulheres e meninas traficadas e prostituídas indiferentemente, e, desde que não vêem mulheres e meninas como seres humanos, eles não se preocupam com as circunstâncias dos “corpos” que eles exploram.

Uma segunda questão, porém muito próxima [do que é aqui tratado] que gostaríamos de levantar é o uso, por vocês, do termo “trabalho sexual”. Durante muito tempo, aqueles nas Nações Unidas, no Conselho da Europa e em todos os lugares têm ouvido exclusivamente aqueles que nomeiam o abuso que vivemos como “trabalho sexual”. Afirmamos que não há “trabalho sexual”; que sexo não é trabalho, que nunca foi e nunca será.

Por favor, estejam cientes de que o termo “trabalho sexual”, que é encontrado em suas políticas públicas e documentos, originou-se no comércio sexual dos Estados Unidos dos anos 1970. Ele foi inventado com o objetivo particular de normalizar e sanitarizar a prostituição para o público e, particularmente, para os legisladores, e vocês prestaram um grande serviço àqueles que lucram com a prostituição por meio da aceitação e adoção deste termo. Simultaneamente, vocês também – inadvertidamente, nós reconhecemos – lançaram uma dolorosa injúria contra nós. Nós somos, todas nós, sobreviventes do comércio sexual; as testemunhas vivas de um comércio desumanizante, e qualquer aceitação do nosso abuso como “trabalho” também nos desumaniza.

Agora, deixem-nos dizer a verdade sobre este termo e sobre aquilo que ele é projetado para ocultar: o que é comprado em sistemas de prostituição não é sexo; é o direito ao abuso sexual. O que sistemas de prostituição oferecem é simplesmente a comercialização do abuso sexual. É hora de aqueles em posição de poder legislativo ouvirem aquelas de nós que viveram as realidades brutais da prostituição e do tráfico sexual, e de se referirem a nós coletivamente sob o termo “sobreviventes do comércio sexual”.

Por favor, ouçam-nos quando dizemos que uma dicotomia intencional foi construída, uma que pretende nossa (falsa) separação em dois conjuntos de mulheres, vivendo dois tipos supostamente diferentes de experiência; uma livre, outra forçada; uma escolhida, outra abusiva; uma inofensiva, e outra um horror contra a humanidade. Nós pedimos que vocês compreendam que a percepção de que mulheres prostituídas e traficadas são diferentes é ilógica: não faz sentido distinguir entre a prostituída e a traficada, uma vez que as traficadas o foram com o objetivo mesmo de serem prostituídas, e que esta é a realidade que elas então viverão.

Assim como ilógica, esta falsa distinção é também perigosa. É perigosa porque oferece o dom da camuflagem. Isso permite que proxenetas e traficantes ocultem a verdadeira natureza de suas ações, ajam sob o manto do sigilo e, consequentemente, com impunidade.

Nós exigimos:

  • Que vocês deixem de se referir ao abuso da prostituição como “trabalho sexual”.

  • Que vocês deixem de separar a prostituída e a traficada em suas percepções, e que suas políticas e posições daí em diante reflitam esta mudança de pensamento.

Vocês têm carregado a grande responsabilidade de dividir fato e ficção; de enxergar a desigualdade que se apresentaria como igualitária; de revelar a injustiça onde esta se disfarçaria como justa, e de eliminar o que é errado onde isto aparenta disseminar-se entre o que é correto. Esta é uma imensa, difícil e pesada tarefa, e nós não os invejamos no empreendimento desta; mas vocês têm de arcar com ela. É o seu dever.

Nós cumprimos com o nosso dever aqui, uma após a outra, país após país, muitas de nós renunciaram às nossas identidades pessoais e enfrentaram a ampla punição do escárnio público para revelar a verdade sobre a opressão do comércio sexual global. Nós fizemos este sacrifício a grande custo pessoal, para nós e para nossas famílias, porque estamos determinadas a extrair a fonte da verdade que reside em cada uma de nós e a afirmar publicamente o que sempre foi conhecido mas raramente proferido: a prostituição é, em si, uma violação dos direitos humanos.

Nós pedimos apenas que vocês nos ouçam e que façam, também, os sacrifícios necessários para fazer o que vocês sabem que é correto.

Cherie Jimenez – Boston, Estados Unidos

Autumn Burris – California, Estados Unidos

Rosen Hitcher – Saintes, França

Laurence Noelle – Paris, França

Bronwen Healy – Queensland, Austrália

Rachel Moran – Dublin, Irlanda

Justine Reilly – Dublin, Irlanda

Roak Elthea – Montevideo, Uruguai

Jacqueline S. Homan – Erie, PA, Estados Unidos

Josie O’Sullivan – Limerick, Irlanda

Bridget Perrier – Toronto, Canadá

Linda O’Keefe – Dublin, Irlanda

Vednita Carter – Minneapolis, Minnesota (Estados Unidos)

Tanja Rahm – Dinamarca

Debra Topping – Fond du Lac Indian Reservation, Cloquet, Minnesota (Estados Unidos)

R. B. – Nord, Canadá

David Zimmerman – Benton, PA, Estados Unidos

Apresentação

Porque você paga existe prostituição. Porque homens pagam existe prostituição

Porque você paga existe prostituição. Porque homens pagam existe prostituição

A intenção dessa bloga é servir como interface de difusão de textos e materiais sobre a perspectiva abolicionista da prostituição, que compreende o fenômeno da prostituição como uma forma de violência contra as mulheres e que seja reconhecida como violação de direitos de humanas[1].

A perspectiva abolicionista se diferencia da perspectiva regulamentarista e proibicionista. Na perspectiva regulamentarista se defende a legalização da prostituição, e na perspectiva proibicionista se defende a proibição da prostituição. O abolicionismo se difere das duas, embora possa ser confundida com o proibicionismo.

No proibicionismo, se defende o estabelecimento de leis que proíbam a prostituição, que em geral se traduz pela criminalização, aprisionamento e perseguição de mulheres prostituídas. Isso não implica nunca a criminalização de proxenetas.

A perspectiva regulamentarista, existente há mais de um século, sempre foi adotada pelos Estados juntamente a proibicionista, consistindo numa política de controle sanitário das mulheres. Nesta as mulheres prostituídas foram, desde seu estabelecimento, submetidas a inspeções médicas. Surgida na época do espalhamento da sifílis em países europeus (século 19), se tornou uma maneira de não ameaçar os negócios dos prostituintes. As mulheres eram afastadas dos bordéis, e encerradas em instituições hospitalárias e até mesmo prisionais, e isso foi uma maneira que exploradores encontraram de se livrar de problemas e não ameaçar seus negócios. Hoje pode ser entendido muito bem como um tipo de subsídio estatal à prostituição, por exemplo em países como Uruguay, onde inclusive as mulheres buscam não assinar a “libreta sanitária” que seria seu registro como ‘prostitutas’, de maneira a não serem estigmatizadas.

Entendemos que essa característica permanece sendo a mesma hoje em dia, onde o argumento da legalização e da proteção das mulheres é usada pelos lobbies proxenetas e pelo negócio sexual para favorecer seus lucros. Essa perspectiva segundo entende o abolicionismo, individualiza o fenômeno da prostituição, fazendo aparecer como ‘voluntário’, e portanto desaparecendo proxenetas, rede de translado e recrutamento, clientes, e todos atores e instituições por trás da existência da prostituição.
Vemos o entendimento da prostituição de uma maneira individualizada, como sendo um ‘exercício voluntário’, escolhido e individual feminino, foi socialmente criado na supremacia masculina, para justificar abusos e atrocidades cometidas contra pessoas, justificando o comércio de pessoas e sua exploração.

Os recrutadores fazem suas vítimas entre as mulheres e crianças mais vulnerabilizadas, precarizadas e sem amparo social, em países destruídos por guerras ou empobrecidos de terceiro mundo, ou países que sofreram colonização. Abusos e violências despersonalizadoras são o preparo da subjetividade das vítimas para que permaneçam atrapadas nessa forma de escravização, a morte é o destino de muitas quer porque comprometam os lucros, quer porque adquiriram uma doença, quer porque estão expostas as mafias e polícias, quer porque seja uma forma de ameaça mais a quem queira sair.

Aqui queremos disponibilizar textos que exponham a complexidade do fenômeno e sirvam para dissipar mitos e constructos patriarcais que a justificam e mantém essa forma de violência aceitável com a cumplicidade de Estados e da sociedade machista.

A perspectiva abolicionista defende:

– A descriminalização das mulheres prostituídas.

– A criminalização do proxenetismo e o desmantelamento das redes
– A punição e responsabilização dos clientes, que recusamos entender como ‘clientes’, senão que são ‘prostituintes‘, proxenetas. Sem clientes não há prostituição. Só existe prostituição porque tem homens que consomem sexualidade de pessoas vulneradas, como uma manifestação mais das formas de abuso masculino, e de construção da subjetividade masculina por meio da identidade e reafirmação do poder e dominação sobre outras pessoas.

A sexualidade que se consome na prostituição é uma sexualidade masculina como forma de dominação e reafirmação de seu poder como classe. Jamais haverá igualdade enquanto houver prostituição.

Quem consome prostituição são nossos irmãos, pais, parentes, colegas de trabalho, filhos, netos, professores, todos homens podem ser consumidores. Isso torna a prática também uma profunda traição dos homens em relação às mulheres. Qualquer homem é potencial cliente e prostituidor num patriarcado. Isso expressa uma profunda desigualdade de gênero. Só existe prostituição porque existe desigualdade.

Também consideramos falsa a distinção entre prostituição e tráfico. A distinção entre prostituição forçada e livre é uma invenção mais da indústria do sexo, que pressionou leis internacionais para poder permitir a existência dos empresários do sexo. O consentimento da prostituição é produzido pela desigualdade. Só existe tráfico internacional e interno de pessoas porque existe prostituição, sem a existência da prostituição e desta prática, não há tráfico. Não são nítidas tampouco as fronteiras entre recrutamento, vítimas de tráfico e o exercício supostamente voluntário de vítimas de tráfico e recrutamento em bares e ruas. Muitas vezes fazer aparecer como voluntário é uma forma mais de desaparecer o papel de facilitadores, prostituintes, donos de bordéis, hotéis, proxenetas e outros.

Aqui iremos discutir coisas como a psicologia da sobrevivente (síndrome de estocolmo) e as formas de recuperação e reinserção, re-bater argumentos da indústria do sexo que distorcem a compreensão da realidade, tentar explicar algo sobre as leis internacionais sobre tráfico, discutir o contexto brasileiro, e desmistificar a construção patriarcal sobre a prostituição e destruir a mitologia misógina e abusiva que permeia os meios de comunicação.

A prostituição é a opressão mais antiga existente.

(…)

[1] E crianças, mas não queremos dar visibilidade a perspectiva que se relaciona a violência contra crianças e adolescentes por ser esta uma corrente muito visibilizada, utilizada geralmente para flexibilizar as leis internacionais sobre tráfico sexual e prostituição, considerando que possa existir consentimento na prostituição e somente considerando delito no caso dos menores. Essa idéia consideramos que individualiza a prostituição e a considera voluntária. Nossa perspectiva desloca esse foco em direção aos clientes, que são os verdadeiros responsáveis, promotores e possibilitadores da existência da prostituição, e os verdadeiros delinquentes, à diferença do modelo regulamentarista.